Em 1992, um certo jogo chegava para mexer as estruturas dos games, ditando dali para a frente diversas características de como um survival-horror deveria ser. Mesmo não tendo inventado a roda, Alone In The Dark foi um divisor de águas do gênero, estabelecendo características chave: diversos puzzles, inventário escasso, um mistério que só você pode resolver e detalhes da trama espalhados pelos cenários, contando a história em documentos ou arquivos.
Caso você seja fã de Resident Evil, Silent Hill ou até Alien: Isolation (por que não?), agradeça a Infogrames por estabelecer as bases desse gênero em 1992. Já deu pra perceber a importância de Alone In The Dark nos jogos, certo? Com isso em mente, durante uma transmissão da THQ Nordic em 2022, foi revelado ao mundo que um novo jogo da saga seria lançado, e pasmem: baseado nos eventos do jogo original!
Meu caro leitor, saiba de uma coisa: se você prestou atenção até aqui, já sabe que esse jogo merece um cuidado extremo não só pela sua importância nos games, mas também por se tratar de uma homenagem e uma reimaginação de um clássico. Não sei em que momento isso aconteceu, mas eles supostamente esqueceram a palavra homenagem e trocaram por genérico. E é sobre isso que vamos falar agora, na review completa de Alone in the Dark.
Bem-vindo a Mansão Derceto (novamente)
Embora a THQ Nordic chame de reimaginação, o jogo aparentemente é um remake do clássico noventista. Na trama, Emily Hartwood (Jodie Comer) recebe uma carta de seu tio, internado num hospital psiquiátrico, dizendo que tanto os funcionários quanto a casa estão querendo lhe fazer mal. Com isso, ela busca a ajuda do detetive Edward Carnby (David Harbour) para poder encontrar seu tio, que está desaparecido dentro da mansão.
Embora a nova história utilize de alguns personagens e cenários da trama original, tudo é diferente. A mansão Derceto ainda está ali, porém não pertence aos Hartwood. Jeremy Hartwood, diferentemente do primeiro jogo, não se suicidou, mas desapareceu. Estes pequenos detalhes são o que dão o maior brilho no remake: sua história e detalhes, escritos por Mikael Hedberg (que também foi roteirista em SOMA e Amnesia: The Dark Descent). Como no primeiro jogo, você pode escolher se vai jogar com Edward ou Emily, levando a caminhos levemente diferentes e lhe dando mais possibilidades de finais diferentes, tendo que jogar uma segunda vez para obtê-los.
Um horror quase Lovecraftiano
Depois de uma certa parte do game, você terá encontros numa realidade paralela que vão além da sua compreensão que te levarão a tentar desvendar o que diabos está acontecendo com Jeremy Hartwood. Criaturas grotescas e cenários horripilantes te esperam daqui pra frente, mas… nada te convence de um horror digno de Lovecraft. Diferente da alta variedade de monstros do game original, na nova versão temos cerca de cinco tipos de inimigos principais, dos quais não rendem absolutamente nenhum trabalho para serem mortos.
Os monstros criados por Guy Davis, colaborador de longa data de Guilhermo Del Toro (um dos mestres do terror da nossa época) tem lá seu charme, porém nada que vá tirar o seu sono. O melhor uso deles dentro do game é justamente quando somos apresentados a um tipo de criatura da qual diversos esqueletos fazem parte dela, numa bola de carne dividida entre crânios e caixas toráxicas num só ser. Ao aparecer de frente às lanternas de um carro de época, deixando somente sua silhueta grotesca fazer sombra antes de revelar sua verdadeira face, com toda a certeza você irá se borrar de medo. Infelizmente, será a última vez dentro da história que isso acontecerá.
Além de genéricos, os inimigos não causam dificuldade alguma ao jogador para serem derrotados, sendo derrubados com até três tiros de pistola se acertados no lugar certo. E se você quiser passar por eles sem luta alguma, não tem problema: é só usar a função de se esgueirar que eles não irão te ver 90% das vezes, sendo até engraçado em alguns momentos (como um no qual entrei numa casa e um deles estava pronto para me assustar, só que ele não esperava essa tijolada na cara).
Gerenciamento de recursos e gameplay
Uma característica crucial do primeiro jogo é o gerenciamento de recursos, sendo ele algo vital para os jogos de survival horror. Infelizmente, em Alone in the Dark não existe gerenciamento algum de recursos, não te deixando com aquela pulga atrás da orelha de “será que devo guardar esse cartucho de balas ou dar prioridade para o remédio?”. Sim, eu sei que o jogo não se propõe a ser o mesmo de 1992, porém encontrar balas de espingarda a rodo pela casa, seja em lixeiras ou armários de banheiro não me parece algo comum – de verdade, o seu inventário, que se resume aos quatro botões direcionais, estará cheio durante grande parte do jogo.
Porém, o sistema de batalhas contra inimigos não chega a decepcionar. Ao escolher entre Edward ou Emily, nota-se uma leve diferença na movimentação do controle, além de maior velocidade para carregamento e força de alguns golpes. Ah sim, os golpes! Pelos cenários, diversos itens no melhor estilo Detetive podem ser usados para um combate corporal, de machados até remos! Mas, não importa se você está usando uma marreta, um crucifixo ou até um picador de gelo: todos terão a mesma força de impacto no inimigo, com a maioria se quebrando na quinta batida. Mas ei, pelo menos são bonitos!
Nem tudo é ruim nesse jogo: embora o gerenciamento de recursos seja escasso, é possível se divertir com os diversos puzzles que a Mansão Derceto apresenta para o jogador. Enquanto alguns trazem a resposta na sua cara, em outros você terá que ler atentamente algum documento antigo para que seja resolvido, fazendo contas e combinações (vale mencionar que tive apenas dois bugs de tradução de documentos, porém nada que atrapalhasse a narrativa). Se vale uma dica aqui, colete tudo que ver pela frente e leia, não só pela história. Além disso, se achar que os desafios estão difíceis, você tem a opção de deixá-los mais fáceis no menu de configurações. Ah, e boa sorte com os cofres.
Durante o jogo, é possível coletar “Regalos”, que são trios de objetos que juntos podem revelar ao jogador segredos obscuros da trama ou liberar itens que podem te ajudar. Certos Regalos só serão possíveis serem coletados ao se jogar uma segunda vez com outro personagem, e pessoalmente essa busca me entreteve bastante durante a segunda run do game. Depois de conhecer a mansão de cabo a rabo, você sentirá a necessidade de coletá-los para saber o final secreto. Ponto pela curiosidade, THQ.
Precisamos falar sobre os gráficos
Embora Alone in the Dark tenha sido publicado pela THQ Nordic (Darksiders, Desperados) sua desenvolvedora é a Pieces Interactive, responsável por Titan Quest: Atlantis e Magicka 2, antes da Arrowhead Studios. Eu geralmente não tenho problema com gráficos de um jogo, já que prefiro dar mais atenção a história em si, porém… precisamos falar sobre isso. Por diversas vezes minha suspensão da descrença era quebrada por olhares vazios ou expressões de dar dor nos olhos de alguns NPCs, sendo alguns deles de vital importância para a história. A impressão que dá é de que gastaram uma bela parte da verba do game para o cachê de Jodie Comer e David Harbour – que fazem um bom trabalho.
Embora a iluminação do jogo em alguns momentos dê maior ambientação a história, detalhes como texturas da pele, marcas de expressão ou até os penteados da década de 20 foram deixados de lado, não fazendo jus as boas atuações dos atores – no geral, pois todos são bons. É perceptível que se usassem esse tempo de adiamento (cinco meses, já que a data original de lançamento era outubro de 2023), alguns desses erros poderiam ser evitados. Revisitei o trailer de lançamento, lá de agosto de 2022 e o comparei com o jogo de 2024: é quase o mesmo. Não estou apontando dedos para ninguém, porém é esquisito ver um jogo exclusivo para a nova geração chegar sem polimento.
É de se notar que a data original do game coincidia apenas duas semanas depois do lançamento de outro grande game de terror de 2023: Alan Wake 2. Segundo um comunicado da THQ, os adiamentos foram realizados para evitar o crunch na equipe de desenvolvimento. Espero que tenha sido essa a verdadeira razão, se é que me entende.
Trilha digna de uma bodega dos anos 20
Felizmente um acerto dentro do jogo fica na trilha sonora composta por Jason Köhnen, entusiasta do Dark Jazz, um subgênero do jazz clássico no qual o ritmo é um pouco mais devagar que o normal, dando ao ouvinte uma maior imersão dentro do contexto proposto. Ao juntar a atmosfera noir do game com um compositor que se dedica a isso por grande parte de sua vida, não terá erro: a investigação pelo desaparecimento de Jeremy fica mais enriquecedora. Cada conversa ou tentativa de persuasão de personagens secundários em cima do jogador são englobadas com o doce som do contrabaixo e dos trompetes, fazendo inveja até ao falecido Charlton Heston.
As cenas frenéticas de ação não ficam para trás: Jason consegue trazer equilíbrio entre o jazz e o horror (não é à toa que o chamaram para esse trabalho). Embora a ambientação de algumas cenas não cause um certo pavor, a trilha está lá para fazer o serviço, dando a pitada de sal para fazer com que a atmosfera de terror te traga momentos de tensão, mesmo que breves. Se mais jogos ou filmes noir serem feitos, lembrem do nome do neerlandês.
Sinta-se como num filme noir
Embora o jogo falhe em alguns aspectos do quesito horror, Alone in the Dark acerta muito na parte noir da história. Desde a escolha de roupas dos personagens principais como dos secundários, vê-se que o departamento de arte teve um cuidado a mais na parte investigativa da história que só melhora com a trilha sonora. Isso tudo somado a investigação, elemento chave do gênero, instiga o jogador a querer saber mais sobre o passado não só da mansão, mas dos personagens que ali moram. Caso você jogue com Carnby primeiro, preste atenção na sequência na qual ele relembra uma investigação que o assombra por anos – só ali um jogo a parte merecia ser feito.
Uma carta de amor
Embora Alone in the Dark tenha suas diversas falhas, ele acerta bem no que se propõe em algumas partes. Ao mudar a perspectiva de câmera fixa do original para terceira pessoa, pouco se perde da essência do primeiro jogo: a investigação e os enigmas. Mesmo tendo alterado uma grande parte da história de 1992 (dando uma profundidade maior nela assim por dizer), o jogo não poupa esforços para homenagear o clássico do survival horror, com pequenos easter eggs desde o famoso piano do sótão até uma sequência nos finalmente do game que fará os fãs sorrirem. Além disso, ainda é possível jogar o game usando as skins originais do game, com direito a Edward e Emily com seus 250 polígonos originais, algo que diversos remasters tem feito ultimamente – algo do qual eu pessoalmente adoro.
A aventura vale a pena?
Embora Alone in the Dark tenha seus diversos erros, se eu dissesse que não me diverti jogando estaria mentindo. Ainda mantenho a palavra: um clássico que praticamente estabeleceu o modo como o survival horror é hoje em dia merecia sim mais atenção por parte do estúdio, mas nada que uma boa história e uma trilha sonora não salvem. Se Mikael Hedberg tivesse apostado mais no horror cósmico como pretendia e não deixado para as sequencias finais do game, Alone in the Dark poderia ser maior.
Caso confirmem uma sequência, espero que aprendam com os erros do passado, pois o universo do jogo é rico. Agora só falta a coragem para fazer dar certo.
Nota do Voxel: 70
Pontos positivos (prós):
- Ambientação imersiva;
- Universo extremamente detalhado;
- Trilha sonora digna de um filme noir;
- Quebra-cabeças divertidos irão te desafiar;
- Homenagens e easter-eggs feitos de fã para fã.
Pontos negativos (contras):
- Inimigos genéricos
- Armas que não possuem diferença uma da outra
- Facilidade ao encontrar recursos
- Gráficos medíocres
- Atmosfera de terror não cumpre o que se propõe
Alone in the Dark foi testado no PS5 com uma key cedida pela THQ Nordic. O jogo possui versões para PlayStation 5, PC e Xbox Series S e X.