Lançado no dia 20 de dezembro de 2023 na Netflix, Maestro, filme original da gigante do streaming, já nasceu grandioso.
Seja por ter nomes como Martin Scorsese (primeira escolha para dirigir o longa, mas que se tornou produtor), Steven Spielberg (segunda escolha para a direção, mas que também apenas o produziu) e Bradley Cooper (protagonista e diretor da obra) ligados ao projeto, ou, simplesmente, por retratar a trajetória de um dos músicos norte-americanos mais importantes da história, Maestro já era alvo de premiações antes mesmo de sair do papel.
Mas será que o segundo filme dirigido por Cooper (o ator também comandou Nasceu Uma Estrela, de 2018) alcançou as altas expectativas que gerou antes de sua estreia?
Maestro se propõe a contar a história real do compositor, músico e pianista Leonard Bernstein (vivido por Cooper), considerado um dos artistas mais relevantes e talentosos dos Estados Unidos. Bernstein nasceu em 1918 e, para muitos, foi o primeiro maestro estadunidense a, de fato, romper as barreiras de seu país e receber reconhecimento mundial.
Ele foi o idealizador, por exemplo, de várias trilhas sonoras de musicais aclamados da Broadway, como West Side Story, Peter Pan e Candice. Além disso, Bernstein também foi o principal condutor da Orquestra Filarmônica de Nova York durante 18 anos. Ele faleceu em 1990, aos 72 anos.
Entretanto, apesar de Maestro nos dar uma noção interessante de todos os grandes feitos realizados por Bernstein ao longo de sua carreira de sucesso, o filme não funciona como uma biografia convencional.
Biografia intimista e sensível
Pelo contrário, a produção visa explorar o caminho de vida do compositor de uma maneira mais intimista, através de seu relacionamento com a atriz costa-riquenha (criada no Chile) Felicia Montealegre (interpretada por Carey Mulligan), com quem foi casado por vários anos e teve três filhos: Jamie, Alexandre e Nina. E é neste ponto que Maestro nos apresenta seu primeiro acerto.
Ao escolher utilizar o casamento entre Bernstein e Felicia como centro narrativo do projeto, Cooper e Josh Singer, que assinam o roteiro de Maestro, conseguem criar uma atração muito mais interessante e rica em detalhes do que se tivessem assumido uma abordagem, digamos, puramente tradicional, com recortes e retratos lineares, passo a passo, da vida do músico.
Desta maneira, conhecemos o homem Leonard Bernstein e os fatos (bons e ruins) que o formaram, e não somente o grande compositor que brilhou com performances eloquentes e intensas.
Dito isto, vale a pena ressaltar que Mestro é tanto sobre Bernstein quanto é sobre Felicia. O roteiro é eficaz em entrelaçar a história do casal e acerta ao dar palco a ambos, mostrando como um influenciou o outro ao longo dos anos. Neste cenário, Cooper e Mulligan realizam trabalhos estupendos de atuação, com Cooper entregando um Bernstein carismático, vivo e livre, e Mulligan dando vida a uma Felicia gentil, inteligente e sensível.
A cena de pouco mais de seis minutos da apresentação da “Sinfonia No. 2” (Sinfonia da Ressurreição) de Mahler na Catedral de Ely, por exemplo, é belíssima e um dos pontos altos de Maestro. A sequência apresenta todas as qualidades de Cooper no papel e sua entrega à narrativa (repare nas expressões faciais e corporais do ator e na forma como o artista absorveu os trejeitos e comportamentos de Bernstein, bem como sua intensidade).
Já Mulligan encanta tanto quando está contida (há muito em seus olhares e sorrisos) como quando precisa expor as fraquezas e sentimentos mistos de Felicia. Destaque, por exemplo, para a cena em que ela recebe visitas em casa e, mesmo estando doente, se esforça para mostrar interesse e aparentar bem-estar (a câmera segue nela o tempo todo).
Ou também para o corte em que ela apenas observa calada o marido celebrar um momento importante ao lado do amante (seu olhar de frustração é gigantesco).
Protagonismo de Felicia é ponto alto
O filme também acerta em seu ritmo, ao apresentar as mudanças físicas e emocionais dos personagens principais ao longo do tempo. Felicia, por exemplo, inicia seu tempo em tela como uma moça doce, aberta a novas experiências e ideias e cheia de esperança. Porém, tudo isso vai dando lugar à frustração e à tristeza à medida que ela percebe que Bernstein não corresponderá às suas expectativas (em vários sentidos) e que ela está sumindo frente ao esposo.
Uma passagem que representa bem isso é aquela em que Felicia está assistindo uma apresentação de Leonard do canto do palco, ao passo em que a enorme sombra do marido (criada por um jogo de luz esperto) a engole.
Logo na sequência, a câmera a retrata mais de perto e o cenário atrás dela muda, sendo preenchido por um muro de concreto e escuridão (o que dá a entender que ela se sente sufocada e esquecida frente à figura de Bernstein).
O longa também, de maneira bem inteligente, dá a entender que, apesar de Felicia tentar o máximo para aceitar Bernstein como ele é (um homem livre, que abraça sua sexualidade e sua criatividade sem restrições), ela não encontra a felicidade que imaginava ao lado do músico.
No início da projeção, por exemplo, a moça revela amar o cheiro de Leonard, dizendo que ele lembra seu pai e a sensação de segurança.
Porém, no terceiro ato da obra, quando Felicia está prestes a morrer e é abraçada pelo marido, ela diz que ele cheira a peixe e cigarro, o que ele leva na brincadeira, enquanto ela permanece séria, com uma expressão terrivelmente melancólica. Um toque bem sutil de roteiro, mas altamente significativo e que conecta o começo e o fim do relacionamento entre eles.
Todavia, nem tudo são flores (ou notas bem executadas) para Maestro. Por alguns momentos, o longa se apresenta um tanto quanto superficial e brando. Por exemplo, sabemos que Bernstein tinha uma relação “aberta” com Felicia (que não estava satisfeita com a situação) e, constantemente, se entregava a amantes, drogas e outros excessos.
Porém, este lado da vida de Leonard parece ter sido um pouco suavizado demais (sendo retratado de maneira rápida), nos deixando um pouco no escuro sobre o quanto a face negativa do músico realmente o influenciou em sua vida.
Alguns diálogos mais extensos e alguns enquadramentos/passagens específicos também pareceram um pouco exagerados e sem grande relevância narrativa (como a cena em que Felicia recebe a notícia de que está doente, por exemplo, a qual vemos de baixo, de trás das costas do doutor).
Em suma, Maestro é um bom filme e acerta ao fugir do convencional, trazendo uma narrativa intimista, ótimas atuações e algumas sequências memoráveis, apesar de pecar em alguns aspectos visuais e narrativos. Lembrando que o longa foi indicado a 7 categorias do Oscar, incluindo a de Melhor Filme.