Poucas franquias no mundo dos games tem um poder de comoção tão grande quanto The Last of Us. Iniciada em 2013, a série de jogos ganhou uma legião de fãs com seu universo devastado, suas histórias densas e, o mais importante de tudo, seus carismáticos personagens.
O sucesso é tão grande que até mesmo já saiu dos videogames. A primeira parte de The Last of Us foi adaptada para uma série de televisão da HBO, que virou sucesso nesse novo meio e conseguiu angariar nada menos que oito estatuetas no Emmy, agora no começo de 2024.
No segmento de games, no entanto, a franquia está gerando certa polêmica. O estúdio Naughty Dog, responsável pela franquia, lança hoje The Last of Us Parte 2 Remastered, versão R$ 50 mais cara do game de 2020 que traz gráficos aprimorados e novidades de gameplay: As Fases Perdidas, o modo de violão e o roguelike Sem Volta.
Amada por uns, odiada por outros: Abby é uma das protagonistas de The Last of Us 2.
Enquanto a remasterização vem gerando polêmica principalmente devido aos gráficos, é interessante notar, também, que o relançamento escancara uma certa hipocrisia e crise de identidade no estúdio, que é um dos mais importantes da PlayStation atualmente.
A história deixada de lado em prol do gameplay
Com o sucesso da série de The Last of Us, a história da franquia e seus personagens estão em alta novamente. No entanto, não espere nenhuma novidade sobre isso na versão remasterizada do game de 2020.
A história de The Last of Us 2 Remastered é exatamente igual ao que temos na versão de PS4, mas com alguns polimentos gráficos aproveitando o poder do PlayStation 5. Os modos extras, que tinham potencial para entregar alguma dose de narrativa extra, como em God of War Ragnarok, simplesmente ignoram a história do vasto universo da franquia.
Enquanto o modo de violão é claramente fanservice em seu estado mais puro e cristalino, as Fases Perdidas servem apenas como um contexto extra sobre o desenvolvimento do game. A Naughty Dog perdeu a chance de polir o material e entregar um pouco mais de lore, mas preferiu limitar o conteúdo em cenários inacabados e comentários da equipe do estúdio.
Por fim, o modo Sem Volta também tinha potencial para entregar qualquer pingo de narrativa para os fãs mais ávidos por história, já que permite jogar com diversos personagens amados da franquia. No entanto, a novidade reserva toda a sua oferta para o gameplay.
Gostou da história de The Last of Us 2? Esqueça tudo que ela ensina e mate todo mundo no modo Sem Volta.
É isso mesmo: você finalmente pode jogar com Joel e mais personagens em locais icônicos de The Last of Us 2, mas apenas para aproveitar o gameplay em desafios envolvendo diferentes inimigos. O modo Sem Volta é focado na ação, carnificina e sangue.
A grande novidade do remaster chega a ser hipócrita quando olhamos para a mensagem da campanha principal. Enquanto a história de The Last of Us 2 fica empurrando para o jogador que vingança é algo ruim e corrosivo, Sem Volta simplesmente ignora tudo isso, dando armas e recursos para que você fique em ciclos infinitos de matança em busca de pontos para liberar itens colecionáveis.
A implementação do novo modo deixa um gosto ainda mais amargo quando relembramos God of War Ragnarok. No ano passado, o jogo recebeu o DLC Valhalla, que também inclui elementos de roguelite, mas vem acompanhado de uma história densa e que serve como um grande fechamento para a jornada de Kratos. E o melhor de tudo: o upgrade chegou de graça para todos que possuem o jogo.
Narrativa vs multiplayer
A ausência de qualquer conteúdo de história no remaster de The Last of Us 2 pode ter ligação com o atual momento da Naughty Dog, que claramente está passando por uma crise de identidade. Recentemente, a empresa cancelou um projeto multiplayer, que estava em desenvolvimento há meses e fazia parte de uma estratégia de jogos como serviço da Sony.
A própria existência do Modo Sem Volta pode ser um resquício desse investimento. Afinal, como o projeto era baseado no gameplay de The Last of Us 2, talvez o time tenha conseguido salvar alguma coisa do “cadáver” de The Last of Us Online para criar um modo extra atrelado ao remaster.
Esse investimento no gameplay de The Last of Us 2, no entanto, parece um esforço que pode não render frutos a longo prazo com um público mais amplo. Assim como outros jogadores por aí, eu não sou um grande fã da jogabilidade da franquia. Em alguns casos, as sequências de ficar procurando tesouras no ambiente e andando abaixado parecem apenas um obstáculo para eu chegar no que realmente me cativa: a história.
Oportunidade perdida
A Naughty Dog tem em mãos um elenco de personagens tão icônico que movimenta multidões online — em alguns casos, de maneira exagerada. Além disso, The Last of Us 2 possui uma ótima base de animações e gameplay, tornando-se referência no assunto desde a geração passada.
Com isso em mente, por que o estúdio não aproveita essa estrutura e seus personagens para contar novas histórias, ao invés de investir em modos que parecem vazios? A tecnologia de ponta de The Last of Us poderia ser utilizada para o lançamento de jogos menores, ao estilo de Spider-Man Miles Morales, contando a jornada de personagens amados e também introduzindo novos rostos.
Já imaginou como seria legal um jogo focado no passado de Joel e Tommy, mostrando a vida dos personagens antes do primeiro game? Ou um título focado em Abby e sua relação com a WLF. Com as florestas e texturas que já estão prontas de The Last of Us 2, ouso dizer que seria possível até fazer um game standalone fora dos Estados Unidos, mostrando o apocalipse em outros locais do mundo.
A Naughty Dog possui tecnologia de ponta, um vasto universo e personagens amados pelo público. Que tal aproveitar tudo isso?
Além de garantir material para uma base de fãs que ama a história da franquia, esses projetos de menor escopo também serviriam para alimentar os roteiros da série de The Last of Us. Afinal, o seriado só deve continuar após a história dos games ganhar desdobramentos além de TLOU 2.
Com o cancelamento do jogo multiplayer e o sucesso da série, a tendência é que a Naughty Dog volte os seus esforços para a construção de novos títulos single-player da franquia, incluindo o aguardado The Last of Us 3. Agora, resta ao público que ama a história desse universo torcer para que a franquia não vire um Round 6 da PlayStation, em que a narrativa e sua mensagem simplesmente foram deturpadas em prol do entretenimento barato.
The Last of Us Parte 2 Remastered está disponível para jogar no PS5.