Há onze anos, a Naughty Dog nos surpreendeu com uma narrativa impecável sobre a relação entre uma órfã e um pai, o fim do mundo e como ambos precisam um do outro para sobreviverem. Tudo isso utilizando os momentos finais do Playstation 3, que estavam com os dias contados já que seu sucessor, o Playstation 4 daria as caras no ano seguinte.
Um pouco mais de um ano depois, saía The Last of Us Rematered, versão atualizada do jogo original para a antiga nova geração. Além de algumas melhorias gráficas, a edição também trazia todos os conteúdos para download, como um documentário, avatares da PSN e a DLC Left Behind, onde conhecemos mais sobre o passado de Ellie. Um ano e um mês depois.
A tão esperada continuação veio em junho de 2020: The Last of Us Parte 2 foi lançado para PS4. Após sete anos de espera e uma maré de azar após vazamentos da produção, a história sobre a jornada vingança foi altamente elogiada pela crítica especializada, sendo um sucesso de público e vendas. Mas se enganou quem achava que tinha acabado por aí: o sucesso da segunda parte fez com que o primeiro jogo sofresse outra remasterização. Não, você não tá ficando louco: o remaster do remaster veio, já que o salto gráfico dentre um jogo e outro era gigante.
Faz um pouco de sentido? Faz, afinal de 2013 a 2020 se passaram sete anos. Melhorias gráficas, texturas, animações e infindáveis detalhes de software e hardware foram melhorando conforme os anos se passaram. O que nos leva a maior questão deste review: um jogo com apenas três anos merece um remaster?
Direto e reto
Sem muitas delongas: não, não merece. Embora The Last of Us Part II Remastered tenha sido pensado para a geração mais parruda do Playstation, pouco se nota a diferença entre a nova versão e a edição original do Playstation 4 rodando no console de nova geração. E quando eu digo “pouco se nota”, é real: a diferença é tão mínima que mal dá pra perceber, isso desde o primeiro trailer lançado.
Sejamos francos: embora a segunda parte seja do final da geração passada, a Naughty Dog se esforçou ao máximo para nos entregar uma experiência muito boa se tratando da parte visual, desde a vasta e destruída Seattle até as terras geladas do inverno de Jackson. Já estava nos conformes, então pra que remasterizar um jogo que é belo por si só?
Entrando na parte técnica, é importante lembrar que The Last of Us 2 ganhou um patch grátis para PS5, em 2021, trazendo suporte para 60 frames por segundo. Ou seja, a remasterização acaba focando mais em resolução, texturas e estabilidade na nova geração.
A versão remaster traz melhorias pontuais no visual e conta com dois modos de renderização, que podem ser configurados no menu de opções. Enquanto o Modo Desempenho entrega resolução em 1440p mirando nos 60 quadros por segundo, o Modo Fidelidade traz os melhores gráficos possíveis no game, com resolução nativa em 4K, mas entregando 30 fps.
Além disso, The Last of Us 2 Remastered conta com suporte para taxa de quadro ilimitada, para quem possui monitor ou TV com 120Hz, e otimizações para o DualSense, incluindo um recurso de acessibilidade com vibração nas falas.
Segundo Neil Druckmann, diretor e roteirista, “seu desejo de ter mais pessoas impactadas foi uma das razões desse remaster existir”, já que é uma história que segundo ele, “foi uma experiencia emocional profunda para a equipe”. Ok, Neil, nós já sabemos isso desde 2020, mas não é mais fácil… comprarmos a versão do Playstation 4? Afinal, R$249,00 são salgados nos tempos em que selecionamos a dedo o que comprar com medo do Serasa. Ao menos para os donos do jogo no Playstation 4, uma boa notícia: por R$50,00, você pode ter a nova versão.
Salgado? Talvez. Mas nem tudo aqui é uma piada de mal gosto
O roguelike do fim do mundo
Se o “novo” jogo se apoiasse somente no remaster, tenha certeza que a nota final desta análise seria bem abaixo dos padrões Playstation. Porém, a Naughty Dog inseriu uma novidade que talvez divirta aqueles que, assim como eu, gostam do combate da série de jogos: o Modo Sem Volta.
É engraçado chamar esse modo de roguelike pois, além da aleatoriedade de mapas, morte permanente, gerenciar recursos e o combate em turnos, as semelhanças com o gênero acabam aí. Segundo a Conferência Internacional de Desenvolvimento de Roguelikes (sim, isso existe), feita por um grupo de desenvolvedores em 2008, para um jogo ser considerado um roguelike precisa de oito características específicas, das quais somente quatro o Modo Sem Volta atende. Isso faz dele ruim? Nem de longe.
Ao selecionar o modo Sem Volta, você tem três opções: sessão padrão, onde está maior parte da graça pela aleatoriedade de confrontos e armas, sessão personalizada, da qual você pode tirar tipos de inimigos, deixar algumas armas especificas, tempo de fase ou chefões e a sessão diária, um tipo de sessão para você competir com outros jogadores.
Abby no modo Sem Volta.
Você escolhe a experiência indo de Muito Fácil até Punitivo. A dificuldade afeta a quantidade de pontos: quanto maior o desafio, mais pontos você ganha no seu ranking final.
Dos dez personagens disponíveis, somente Ellie e Abby estão desbloqueadas de início, já que são nossas protagonistas. Conforme você vai cumprindo os desafios em Sem Volta, mais deles vão se abrindo para você alternar um pouco seu gameplay.
Cada um deles tem um estilo de jogo e características diferentes: Abby é especialista em luta corporal e se cura durante lutas, enquanto Dina é rápida ao fabricar itens e possui receitas de bombas. Vai de você se adequar ao melhor personagem para seu estilo de jogo.
Dentro das salas seguras (alternadas dependendo do lado da história que você escolher), existe um quadro onde você irá escolher o desafio a ser cumprido, sendo quatro formas de jogar:
- Caçada: onde você precisa sobreviver aos inimigos durante um tempo estipulado;
- Assalto: onde ondas de inimigos são lançadas em sua direção e só acabam quando o último estiver morto
- Resistência: use o que tiver em volta para preparar sua defesa e o mais importante: não deixe seu companheiro morrer!
- Captura: inimigos estão protegendo um cofre que irá fechar em determinado momento, cabe a você abri-lo a tempo.
Cada confronto é mostrado num quadro com fotos que se diverge em caminhos diferente depois da terceira jogada, dando liberdade pra escolher qual deles você irá seguir antes do Chefe da fase. Os confrontos possuem modificadores aleatórios que podem ou não te ajudar durante o jogo, bem parecido com os de Mortal Kombat ou Street Fighter, sabe? Vão desde “pule para ficar mais rápido” a “inimigos derrubam bombas ao morrer”.
A cada fim de confronto, recompensas e itens aleatórios para compra no Posto de Comércio (que é somente um armário) estarão a sua espera na Sala Segura, e é aí que está a graça do Sem Volta: será que eu vou conseguir sobreviver com o que me foi entregue? Vale a pena gastar com bala ou uma receita de molotov? E quando você menos perceber, foram quatro confrontos que passaram e você não percebeu até chegar no chefão final.
Embora pareça repetitivo, o jogo trabalha bem a aleatoriedade ao lhe dar novas armas, inimigos e desafios a cada encerramento de confronto, além das Apostas, um conjunto de pequenos desafios que você pode cumprir durante os combates, concedendo mais moedas, munição ou até vida. Junto disso, o sistema de recompensa de Sem Volta te instiga a querer saber qual será a próxima luta: quais armas vou ganhar na próxima rodada? E se eu morrer? Bem, se você morrer, toda a sua jornada naquela partida vai pro saco. Mas ei, não esquenta! É só começar outra vez, afinal: é um roguelike, certo?
Os níveis “perdidos”
Além do Sem Volta, uma das novidades prometidas são as Fases Perdidas, ou seja: partes que entrariam no jogo porém, acabaram sendo retiradas da versão final por falta de sintonia com a história. Eu, como um grande fã de extras, bastidores e making-of de filmes e jogos, digo que era uma das partes que mais botei fé durante o anúncio desta nova versão do jogo: como assim, teremos acesso a partes excluídas da versão final numa versão totalmente crua de teste? Acontece que, no final das contas, a experiência nem é tão legal assim.
Com o total de três fases, os níveis perdidos possuem uma pequena introdução de Neil Druckmann sobre o porquê do conteúdo ser cortado na versão final do game. O jogador pode explorar uma extensão de Jackson e de sua vida noturna (momentos antes do beijo entre Dina e Ellie), uma extensão de Seattle nos túneis da cidade e, por último, uma caçada a um javali após os acontecimentos principais do game.
Embora a duração de cada nível perdido fique em torno de 15 minutos, a sensação estranha de vazio permanece, parecendo que faltou atenção da equipe nessa parte e deixando o foco somente no modo Sem Volta. Mesmo com comentários interessantes de desenvolvedores sobre o motivo de tal fase não estar no jogo, explicações do porquê você seguir neste túnel sem saída valerá a pena ou até mostrar mini-games perdidos… dava pra saber mais.
No começo de uma das introduções o próprio Neil fala sobre diversas fases que ficaram de fora e que no final somente três foram escolhidas, pois que colocassem mais! Todo fã que se preze gostaria de saber mais como a equipe de criação pensa e como se sentiriam mais próximos da Naughty Dog nessa questão criativa. Eu adoraria ter ao menos duas horas de fases excluídas, porém, se quarenta minutos era o que tinham disponíveis, fazer o que né.
Seja você a pessoa com o violão na roda de amigos
Para os músicos que gostaram de tocar violão com Ellie e Joel durante o modo história e queriam mais disso fora do jogo, sua chance está no Guitar Free Play, uma parte dedicada somente a arte de tocar música. Aqui, você não precisa ter que carregar o jogo até Seattle ou jogar o começo em Jackson somente para tocar violão: é só entrar, afinar seu touchpad e tocar música.
Modo Violão em The Last of Us 2 Remaster.
Neste modo, você possui três opções de personagens: Ellie, Joel e o carismático Gustavo Santaolalla, argentino compositor dos três jogos e também da série da HBO. Além desses personagens jogáveis, você tem a opção de escolher não só cenários aconchegantes e menos caóticos, como também mis instrumentos de banjo (do qual Gustavo aparece tocando como um morador simples de Jackson) até guitarra elétrica.
E caso ache que a imagem não tá legal pra você tocar aquela braba para o seu amor, pode fazer pequenos ajustes no foco ou granulação da imagem. Essas horas eu queria saber mais de música.
O remaster vale a pena?
Caso você tenha a versão do Playstation 4 e queira jogar os novos modos oferecidos acima (mas caso queira muito, porquê upgrades de um mesmo jogo para a nova geração ao meu ver deveriam ser gratuitos), vale investir numa futura promoção, não agora. Mesmo com essas novidades, acho que faltou um pouco de bom senso da Naughty Dog, que sente necessidade em tirar até a última gota de leite da franquia dos Cordyceps.
Agora: se você ainda não jogou e deseja saber como as atitudes finais de Joel ecoam na continuação, serei sincero: compre uma versão de Playstation 4 e seja feliz. Acho que aquele conhecido que comprou a versão física e quer se desfazer dela para pagar as contas vai ficar mais feliz com o dinheiro do que uma empresa grande de jogos. Vai por mim.
Nota do Voxel: 75
Pontos positivos
- Modo roguelike é viciante
- Recompensas do Sem Volta valem a pena
- Finalmente temos um modo livre para músicas!
Pontos negativos
- Preço muito elevado para o que oferece
- Mudanças imperceptíveis para o grande público
- Fases perdidas carece de atenção
The Last of Us Parte 2 Remastered será lançado em 18 de janeiro no PS5. Uma cópia do game foi cedida para review pela PlayStation Brasil.