Na última quinta-feira (20), estreou nos cinemas brasileiros o mais novo longa-metragem de Christopher Nolan: Oppenheimer. O filme conta a trajetória do físico responsável pelo projeto da bomba atômica usada na Segunda Guerra Mundial e as respectivas consequências da sua criação.
Baseado na biografia “American Prometheus: O Triunfo e Tragédia de J. Robert Oppenheimer” (2005), o longa representa de maneira fiel muitos acontecimentos da vida do físico. Até mesmo detalhes, como ele ter realizado uma palestra em holandês com apenas algumas semanas de estudo, a tempestade que atrasou o teste da bomba e sua personalidade diletante.
No entanto, o roteiro apresentou algumas inconsistências e até mesmo exagerou alguns fatos para criar tensão nos espectadores. Confira 7 fatos e 7 acontecimentos fictícios em Oppenheimer, a seguir;
7 fatos representados em Oppenheimer
Confira o que é verdade e o que foi inventado no filme de Oppenheimer.
1. Oppenheimer tentou envenenar seu tutor — mas Niels Bohr não estava lá
Enquanto estudava em Cambridge, Oppenheimer conheceu Patrick Blackett, vencedor do Prêmio Nobel que viria a se tornar seu tutor. Nesta época, o jovem Robert estava passando por um momento difícil, pois morava em um apartamento, que chamava de “buraco miserável”, e tinha dificuldade nos trabalhos de laboratório exigidos por seu tutor.
Após atingir o seu limite, Robert colocou produtos químicos na maçã de Blackett. No filme, Niels Bohr quase dá uma mordida na fruta, mas essa cena foi inventada para um efeito dramático. No incidente real, os funcionários de Cambridge, que descobriram o feito, foram convencidos pelo pai de Oppenheimer a não prestar queixas. O jovem físico ficou em liberdade condicional e teve que se consultar com um psiquiatra.
2. Haakon e Barbara Chevalier cuidaram de Peter Oppenheimer por um tempo
Em 1941, quando seu filho Peter tinha apenas dois meses de idade, Robert e Kitty Oppenheimer pediram que Haakon e Barbara Chevalier cuidassem dele por alguns meses. Segundo a biografia, o casal foi para a fazenda da família, pois Kitty estava muito exausta.
3. A Alemanha não estava pronta para construir uma bomba atômica
Oppenheimer não conheceu Niels Bohr na cena da maçã, como foi retratado no filme, mas os físicos foram apresentados por Ernest Rutherford. Em 1943, após escapar da Dinamarca que estava sendo ocupada pelos nazistas, Bohr foi para Los Alamos.
Apesar de representar uma versão resumida da participação de Niels no Projeto Manhattan, o físico realmente compartilhou com os demais cientistas sobre seu encontro com o físico alemão Werner Heisenberg em 1941. Ele também alertou sobre os termos morais do projeto e incentivou os cientistas a refletirem sobre as consequências de seu trabalho.
No filme, os dados que ele revela comprovam que os cientistas alemães tomaram o “caminho errado” e estariam bem atrás dos EUA no desenvolvimento da bomba. Na realidade, os Aliados só encontrariam uma prova definitiva que a Alemanha ainda estava nos estágios iniciais em novembro de 1944.
4. Oppenheimer zombou de Strauss sobre isótopos
No filme, a perseguição de Lewis Strauss por Oppenheimer é justificada pela humilhação que o ex-oficial naval sofreu pelo físico durante uma sessão da Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos (AEC) em 1949. Na época o comitê discutia sobre o envio e isótopos para a Europa para fins medicinais.
Em Oppenheimer (2023), o físico defende que os isótopos eram menos importantes que os dispositivos eletrônicos, mas “mais importantes que um sanduíche”. O que Robert realmente disse foi que os isótopos eram “menos importantes do que, digamos, vitaminas, algo entre os dois”. Na época, a frase rendeu risadas que teriam irritado Strauss.
J. Robert Oppenheimer (Cillian Murphy) zombou de Lewis Strauss (Robert Downey Jr.) no Senado norte-americano.Fonte: Universal Pictures
Conforme a biografia, Lewis Strauss, o ex-presidente da AEC, realmente foi rejeitado por grande parte dos cientistas ao tentar entrar para o gabinete do presidente Dwight D. Eisenhower, onde apontaram sua “vingança pessoal” contra Oppenheimer.
5. Oppenheimer nunca disse publicamente que se arrependeu de ter soltado a bomba
Segundo Alex Wellerstein, historiador de ciência e tecnologia nuclear e professor do Stevens Institute of Technology para o Business Insider, Oppenheimer nunca disse publicamente que se arrependeu de soltar a bomba. Ele afirma que o físico sentiu remorso por não ter conseguido parar a corrida armamentista e que trabalhou muito para evitar isso.
O período entre a explosão e o barulho teve uma diferença de 1 minuto e meio.Fonte: Universal Pictures
6. O som da bomba veio muito depois da explosão durante o Trinity Test
Assim como a representação do Trinity Test no filme, a explosão começou um forte feixe de luz, sendo seguido pela bola de fogo e nuvens de fumaça — em total silêncio. Somente após um minuto e meio que houve um barulho estrondoso acompanhado de uma nuvem de choque.
7. Oppenheimer estava à frente de seu tempo em buracos negros
Em 1º de setembro de 1939, no dia em que Hitler invadiu a Polônia, Robert e seu aluno Hartland Snyder publicaram um artigo sobre “estrelas pesadas” ficando sem combustível e entrando em colapso.
No entanto, devido a sua dedicação ao projeto Manhattan, Oppenheimer não voltou a publicar sobre o assunto. Em 1964, quando Roger Penrose descreveu os buracos negros pela primeira vez, ele citou o artigo de 1939 como uma das inspirações para sua pesquisa.
7 acontecimentos no filme que não são verdade
Albert Einsten no filme Oppenheimer.
1. Oppenheimer era um dos únicos a se preocupar com as armas nucleares
Diferente de como foi apresentado no filme, Oppenheimer não era o único nas reuniões com Leslie Groves e Henry Stimson a fazer perguntas sobre as implicações de longo prazo das armas nucleares.
Segundo o historiador, Robert foi um dos principais rostos a defender essas preocupações, mas foi bem recebido, além de que muitas outras figuras levaram o assunto muito a sério nos níveis mais altos do governo.
2. Oppenheimer permaneceu anti-H-bomba
Durante o filme, Oppenheimer é questionado sobre suas posições contraditórias relacionadas à bomba de hidrogênio. No início, ele apoiou a pesquisa de Edward Teller, mas depois mudou de ideia.
Na realidade, ele não adotou um posicionamento contra o uso de armas, mas os pontos levantados por Robert eram sobre o desperdício de material em armas que poderiam não funcionar. Por fim, quando Teller e Stanislaw Ulam fazem uma descoberta, Oppenheimer volta a ser a favor da produção da bomba-H.
3. Stimson poupou Kyoto por causa da sua lua de mel
Na cena na qual os alvos para as bombas atômicas são escolhidos, o secretário de guerra Henry Stimson diz que gostaria de poupar Kyoto devido ao seu significado cultural para o povo japonês e por ter passado a sua lua de mel lá. No entanto, segundo Wellerstein, a tomada de decisão foi muito mais complicada do que representada no filme.
4. As pessoas não perceberam uma explosão no meio do deserto
O Trinity Test não passou despercebido. Os moradores de Amarillo, no Texas, puderam observar o flash a mais de 280 milhas de distância enquanto a onda de choque estourou as janelas de cidades próximas. Conforme demonstra um jornal da época, o governo justificou a explosão como um paiol de munição que explodiu em uma base militar.
Recorte de jornal da época diz “Explosões ocorrem na base aérea do exército de Alamogordo”.Fonte: Clovis News-Journal/Newspapers.com / Centro de Pesquisa de Segurança Nacional
5. Eles sabiam que a bomba iria acabar com a guerra
Segundo Wellerstein para o Business Insider, a ideia que o filme passa é que os norte-americanos usaram a bomba porque queriam acabar com a guerra e evitar mortes sem invadir o Japão. No entanto, o tema não foi discutido dessa maneira na época, de maneira que essa justificativa foi criada posteriormente.
6. Charlotte Serber era a secretária de Oppenheimer
Charlotte Serber era jornalista e foi a única líder feminina do laboratório de Los Alamos e, diferente do que parece no filme, ela não era secretária de Oppenheimer. Serber trabalhou como bibliotecária para a “biblioteca secreta” de Los Alamos, sendo responsável por uma equipe de 12 pessoas.
7. Oppenheimer consultou Einstein sobre os cálculos de Teller
Tom Coti, como Albert Einstein, e Cillian Murphy, como J. Robert Oppenheimer.Fonte: Universal Pictures
Segundo a biografia “American Prometheus”, Oppenheimer não buscou Einstein para verificar os cálculos de Edward Teller sobre a possibilidade da bomba atômica inflamar a atmosfera da Terra. Na verdade, o físico consultou Arthur Compton, que checou os dados ao lado de Hans Bethe.
Oppenheimer está em cartaz em diversas salas de cinema pelo Brasil.